quarta-feira, 21 de julho de 2010

"Só estou bem onde (...) estou"

Durante tanto tempo se habituou a agradar que se esqueceu do que era ser mulher. Vitimização. seria, talvez. infantilização. adolescentização. impotência pura, sabendo-se que "nada é puro"; nada é preto e branco. mas sentimos. eu sinto. ela sentia. sentimos desmesuradamente essa ausência (do preto e do branco). Tinha que tomar uma dura decisão. e a impotência era tudo o que ela via à sua frente. sabia que estava a ver apenas as nuvens negras, mas se todo negro lhe parecia o ceu. a sua mãe. a sua cabeça. "é preciso ser homem" ; na sua gíria, ela diria "ter tomates", ou perdê-las-ei às duas, a mãe e a cabeça. e outras coisas mais. ela não era negra. apenas tinha alguns buracos negros. na sua cabeça um desses buracos estava a engolir toda a sua luz. ela sabia que tudo ia melhorar, porém tinha dúvidas se podia acreditar nisso. para que serviria a sua fé? mas e o woody allen? pensava ela, não terá ele razão. sabia. não sabia e infantilizou-se. é sempre um caminho. seria preguiça. falta de força e coragem. não seria resiliente. palavras que se tinha habituado a ler em tempos de crise. e agora estava fechada fora do seu mundo. tinha perdido a chave. como poderia aquela mulher ter sucumbido? e como poderia ela deixar os "outros" guiarem os seus passos. de resto, quem eram os "outros". quando tinha ela deixado de se responsabilizar pelo curso da sua vida. teria sido tão cedo assim?

"O passado, o que ficou para trás, só nos chega fragmentado e difuso. (...)
(...)
...o facto é que quem existe somos nós.
É em nós que habita o nosso tempo de significação. ...
...nada legitima a fuga sistemática que tendemos a fazer à única realidade que é nossa: somos quem somos, hoje, aqui e agora.
(...)"


Isabel Leal in NM, 16 Set 2006

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